Resumo
Este estudo trata da indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo, sua estrutura e evolução. O texto levanta os principais determinantes do desenvolvimento desses setores no país e no território paulista e contextualiza essa indústria no começo do século XXI no quadro de mudanças da indústria 4.0, descrevendo as principais características da cadeia produtiva e sua dinâmica. A análise é realizada a partir das dimensões do valor da transformação industrial (VTI), da balança comercial e das inovações e novos processos produtivos, que estarão no centro das transformações do setor têxtil e de confecções nos próximos anos ao redor do mundo. Por fim, o trabalho examina a localização da indústria têxtil e de confecções no território paulista e no restante do país com base no emprego formal, bem como traça os principais desafios dessa indústria.
Sumário Executivo
A Fundação Seade desenvolve análises setoriais com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a economia paulista e fornecer aos gestores públicos e pesquisadores informações sobre as dinâmicas setoriais e especificidades regionais no Estado de São Paulo.
O presente trabalho aborda a indústria têxtil e de confecções. O ponto inicial é um breve histórico a respeito de como o setor se desenvolveu, desde os anos 1970, no contexto de mudanças no padrão desta indústria no quadro internacional.
O estudo busca explicitar as mudanças ocorridas no setor, evidenciadas pelos principais indicadores econômicos estruturais disponíveis, pelos indicadores conjunturais da produção física e da balança comercial no período recente e por informações relativas às características da inovação no setor e à distribuição regional dessa indústria no Brasil e no território paulista.
A dimensão e a importância da indústria têxtil e de confecções paulista podem ser avaliadas pelas suas participações nessa atividade no Brasil e na indústria de transformação do estado, medidas por meio do Valor de Transformação Industrial (VTI) da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.
Em 2018, a indústria têxtil e de confecções paulista respondia por 30,0% do VTI do Brasil. No setor têxtil, este valor foi de 36,9%, enquanto no de confecções atingiu 24,9%. Já na composição da indústria de transformação de São Paulo, a indústria têxtil e de confecções foi responsável por 3,4% do VTI, no período 2007-2018.
Do ponto de vista da localização espacial da atividade, a indústria paulista têxtil e de confecções se deparou com dois movimentos de descentralização no período recente, avaliados pelos dados da Relação Anual de Informações Sociais – Rais: de um lado, os empregos se deslocaram para outros estados na região Sul, especialmente para Santa Catarina, e para alguns estados do Nordeste; e, de outro, internamente esta indústria vem perdendo espaço na RMSP e se distribuindo no interior do estado. Esta trajetória comprovou que a tendência de desconcentração regional iniciada na década de 1990 se manteve nos últimos anos, embora com menor intensidade.
A atividade da indústria têxtil e de confecções entre 2007 e 2018, medida pelo VTI a preços constantes, reduziu-se, em termos médios anuais, em 1,1% no Estado de São Paulo, enquanto nos demais estados cresceu 3,4%. Em São Paulo, essa retração foi maior na indústria têxtil, chegando a 1,6% ao ano, em contraposição ao crescimento de 0,6% a.a. no restante do Brasil. Na indústria de confecções, as taxas de São Paulo e dos demais estados, neste período, foram de -0,7% e 5,6%, respectivamente.
Em termos do número global do emprego no país, entre 2006 e 2017, o setor têxtil eliminou 32.259 postos de trabalho e atingiu, no último ano da série, o montante de 256 mil empregos. Já o segmento de confecções manteve o emprego praticamente estável no patamar de 568 mil, com redução de apenas 1.438 postos neste período.
O comportamento da indústria paulista explicou parcela considerável da evolução do mercado de trabalho, com decréscimos expressivos nos dois setores. Na indústria têxtil, as empresas paulistas empregaram, no final de 2017, 90.107 trabalhadores, com perdas de 20.726 postos de trabalho em relação a 2006. Isso significou 58,7% de toda a redução registrada no Brasil. No caso do setor de confecções, neste mesmo período, houve retração de 19.056 empregos, enquanto no restante do país notou-se alta de 17.518 postos de trabalho, especialmente nos estados de Santa Catarina, Ceará e Rio Grande do Norte. Em 2017, essa indústria empregava 139.711 trabalhadores no Estado de São Paulo.
Na comparação entre os principais municípios empregadores da indústria de confecções, a cidade de São Paulo concentrava, em 2017, 60.683 postos de trabalho, 10,7% de todo o emprego do setor no Brasil, seguida por Fortaleza com 26.386 empregos (4,6% do total).
Em relação ao setor têxtil, o estado respondia por 37,9% do emprego desse segmento no Brasil. Blumenau e São Paulo são as duas principais cidades com, respectivamente, 11.678 e 11.673 postos de trabalho, 9,0% de todo o emprego no Brasil no setor. As empresas são relativamente maiores em relação à atividade de confecções e estão predominantemente centralizadas na Região Metropolitana de São Paulo, nas regiões de Campinas e Sorocaba e na região central do estado.
Apesar da perda de emprego, São Paulo se manteve como um importante centro produtor de tecidos e vestuário, na medida em que concentra parcela relevante dos ativos intangíveis da cadeia produtiva (moda, marketing, design), além de centros de pesquisa e mão de obra especializada.
Os problemas enfrentados pela indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo, expressos quantitativamente pelas perdas de emprego, também podem ser observados pela evolução da produtividade entre 2007 e 2018. O índice (2007 = 100) do indicador obtido pela relação entre o VTI a preços constantes e o pessoal ocupado em 31/12 cresceu pouco e atingiu, no último ano da série, o valor de 104,8, patamar mais alto da série da indústria paulista, movimento explicado pelo comportamento do setor de confecções, especialmente em 2017 e 2018. Nos demais estados, a expansão da produtividade foi muito maior ao longo dos anos, sendo que, em 2018, o índice alcançou 150,0 no agregado da indústria têxtil e de confecções, devido, principalmente, ao segmento de confecções, cujo indicador atingiu 174,5 neste período.
Uma consequência deste quadro restritivo da indústria têxtil e de confecções paulista foi a elevação do seu déficit da balança comercial. O saldo negativo da balança comercial da cadeia têxtil e de confecções paulista registrou expansão ininterrupta entre 2007 e 2014. De um déficit de US$ 273 milhões observado em 2007, a balança comercial dessa indústria em São Paulo atingiu um saldo negativo de U$$ 1,9 bilhão em 2014, o que significou expansão de 31,8% a.a. Naquele ano, as importações alcançaram o montante de US$ 2,3 bilhões e as exportações somaram US$ 415 milhões.
Nos períodos seguintes, a recessão reduziu o déficit comercial pela retração da demanda doméstica. Porém, a retomada do crescimento econômico no biênio 2017-2018 impulsionou novamente as compras externas dos setores têxtil e de confecções. No último ano da série, as importações subiram novamente para o patamar de US$ 1,6 bilhão e o déficit comercial atingiu US$ 1,1 bilhão.
O principal país de origem das importações paulistas da indústria têxtil e de confecções é a China, sendo que o seu peso nas compras externas da indústria têxtil e de confecções paulistas aumentou nos últimos dez anos. A China se destaca como o maior fornecedor, com 38% do total das importações do setor em 2018, com alta de 15,5 p.p., em relação ao patamar de 2007.
Dado o contexto mundial acentuadamente mais competitivo, o presente estudo procurou avaliar o posicionamento da indústria têxtil e de confecções paulista do ponto de vista da sua capacidade de inovar. O levantamento que deu suporte para essa análise foi a Pesquisa de Inovação – Pintec, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Realizado periodicamente a cada três anos, o levantamento utilizado refere-se ao período 2012-2014.
Observaram-se baixas taxas de inovação dos setores têxtil e de confecções, especialmente no indicador de produto novo para o mercado nacional, inferiores à média da indústria. Já o perfil de gastos inovativos é centrado preponderantemente na aquisição de máquinas e equipamentos e menos em gastos em Pesquisa & Desenvolvimento, especialmente na indústria têxtil. Isso ressalta os desafios para esta indústria avançar na sua modernização e se inserir nas cadeias globais de valor.
As questões a serem enfrentadas são enormes. A indústria têxtil e de confecções paulista vem diminuindo seu dinamismo, apesar de ter mostrado reação no biênio 2017-2018. Perda de mercados para importados, com redução real, descontada a inflação, da receita líquida e do valor de transformação industrial (VTI), retração da participação do Estado de São Paulo no total Brasil, baixa produtividade, ampliação do déficit da balança comercial e taxas de inovação inferiores à média da indústria de transformação são indicadores de que essa indústria encontra dificuldades em sua capacidade de expandir os negócios nos mercados interno e externo.
Os desafios para superar esse quadro adverso são potencializados quando inseridos no contexto da manufatura avançada. Tomando as referências dos padrões da indústria 4.0, que já estão impactando os setores têxtil e de confecções ao redor do mundo, fica evidente o papel central que as novas tecnologias terão na rapidez de respostas – novos produtos e novas formas de comercialização – das “fábricas digitais” ao consumidor final, além dos aspectos econômicos (redução de custos com estoques mínimos e a utilização de novos materiais da biotecnologia e da química verde) e ambientais (redução do uso da água e maior grau de reciclagem).
As inovações tecnológicas aplicadas nos setores têxtil e de confecções farão com que essa indústria deixe de ser progressivamente intensiva em mão de obra de baixa qualificação e passe a operar em plataformas intensivas em tecnologia, atraindo empreendedores e ofertando empregos de maior qualificação. Essa nova realidade, que se vislumbra no cenário internacional, deverá ainda conviver no Brasil com a indústria mais tradicional, sendo que a sua abrangência transformadora dependerá de esforços privados e públicos na definição e coordenação de políticas públicas facilitadoras.
1. Introdução
A indústria têxtil e de confecções é uma das mais tradicionais na estrutura produtiva da indústria de transformação e esteve presente desde o início da industrialização no Brasil. A importância desta atividade econômica ultrapassa a criação e produção de tecidos e roupas, avançando e se tornando cada vez mais presente em vários segmentos da atividade econômica e processos industriais.
Segundo estudo sobre a cadeia global de valor desse conjunto de atividades,1 o Brasil é atualmente o 5o maior produtor têxtil no ranking mundial, atrás da China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. No setor de confecções, o país é o quarto colocado no ranking global. A pesquisa concluiu que o Brasil perdeu espaço no mercado internacional de produtos têxteis e de vestuários nas últimas décadas.
A indústria brasileira têxtil e de confecção sofreu um processo de acirramento da concorrência internacional a partir dos anos 1990. Dois momentos marcaram esse período. Na primeira fase, dada a abertura da economia brasileira no início da década, quando as tarifas de importação de tecidos no regime de desgravação tarifária passaram de 70% para 40% e posteriormente para 18%, a indústria sofreu forte concorrência externa, amplificada pela valorização do real após 1994.
Na sequência, entre 1994 e 2005, as cotas dentro do Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV, negociado na Rodada do Uruguai no âmbito do Gatt), que impediam as exportações de produtos têxteis e de vestuário originados nos países periféricos e protegiam os mercados das regiões mais industrializadas, foram paulatinamente reduzidas, abrindo espaço para a China e outros países asiáticos se tornarem importantes produtores de têxteis e confecções. As próprias empresas multinacionais centradas nos países desenvolvidos buscaram, nesse período, criar capacidades industriais nesses países periféricos para obterem cotas de exportação. Em 2005 houve a revogação do acordo, o que marcou a liberalização do comércio mundial do mercado de têxteis.
A indústria brasileira e, consequentemente, a paulista não estavam preparadas para enfrentar o novo quadro que se moldou nesse período. De um lado, a lógica das multinacionais foi de desintegração vertical com foco de suas atividades nas fases de maior valor agregado – definição de produtos, inovações e marketing – e menor ênfase nas etapas de produção propriamente dita. De outro, a concorrência global se deu no setor via preços, ancorada no uso de força de trabalho com baixa qualificação e de equipamentos intensivos em mão de obra e defasados do ponto de vista tecnológico.
No Brasil, a indústria têxtil e de confecções, apesar de também se valer da utilização de mão de obra de baixa qualificação, não tinha estrategicamente a visão de se expandir para o mercado mundial. De modo geral, ela estava focada no mercado interno com produtividade inferior, especialmente em relação aos países asiáticos, e não se aparelhou para avançar as etapas mais modernas da produção deste segmento.
A partir do avanço dessa indústria no mundo no começo do século XXI, notam-se transformações nas estruturas de produção e de consumo de produtos têxteis e de confecções. O período no qual a concorrência se dava pelo baixo custo do fator trabalho foi paulatinamente deixado para trás e a fase atual, ainda incipiente, se caracteriza pela customização, personalização dos bens (“produtos inteligentes”) e novas soluções de logística e de distribuição da produção, vetores de ganhos de competitividade.
Fatores sistêmicos passaram a interagir e transformar a indústria têxtil e de confecções. A elevação dos custos do trabalho, que se espraiou por vários países, impulsionou, associada às novas políticas de desenvolvimento nacionais, as empresas a buscarem ganhos de produtividade via inovações e automação dos processos produtivos.
Fatores nacionais, como valorização das moedas, inflação, alta dos custos de matérias-primas e preocupações ambientais com novas regulamentações, impuseram restrições à forma anterior de se obterem vantagens competitivas. Neste novo mundo, o que ganha peso são as capacidades tecnológicas e inovativas.
O surgimento do fast fashion marcou esse momento de evolução da indústria têxtil e de confecções. A chamada “moda rápida” se consubstanciou em um tipo de produção/comercialização que incorpora elementos de estilos de vida e ciclos curtos de produtos. O modelo de negócios emerge centrado na oferta de produtos de qualidade elevada, aderente às tendências da moda, de alta rotatividade nas coleções, e que busca atender à demanda de consumo com preços relativamente baixos.2 O papel do grande varejo ganhou peso nas conexões – coleções/design/novos padrões de consumo – dentro da cadeia global de valor da indústria têxtil e de confecções (BRUNO, 2016).
Atualmente, o conceito de produtos da indústria têxtil e de confecções está em mutação. Variados estudos, pesquisas e entrevistas sugerem que tal transformação se relaciona diretamente com a perspectiva de esta indústria transitar para os parâmetros da manufatura avançada nos curto e médio prazos.
Nesta nova fase da indústria 4.0, a produção e a comercialização passam a fornecer, quase que instantaneamente, aos consumidores peças customizadas e/ou padronizadas em coleções focadas nas tendências da moda. Novas fibras, fios e tecidos se constituirão em insumos de alta tecnologia nos diversos tipos de vestuários, aumentando suas funções e, assim, alterando progressivamente o conceito tradicional de produto confeccionado e colocado à venda no varejo para produtos inovativos de maior valor agregado.
Tendo como referência o quadro aqui traçado, o estudo analisa o estágio atual do desenvolvimento da indústria têxtil e de confecções no país, sua cadeia produtiva, as tendências do mercado nacional e o desempenho paulista do setor, sua capacidade de gerar emprego e valor adicionado, a evolução da produtividade, os resultados da balança comercial e da produção física, os indicadores de inovação da Pesquisa de Inovação – Pintec (IBGE) e a localização territorial do segmento no Estado de São Paulo. Na última seção são elencados os desafios da indústria têxtil e de confecções diante do avanço da indústria 4.0.
2. A cadeia produtiva da indústria têxtil e de confecções
A cadeia produtiva da indústria têxtil e confecções tem se caraterizado pela dispersão espacial dos seus elos em diferentes regiões e países dentro de um modelo de produção denominado cadeias globais de produção. No caso desse segmento, as cadeias são comandadas pelo comprador (buyer-driven), que atua na descentralização da rede de produção em vários países exportadores. A fabricação integrada às cadeias globais é acionada por contratos e se responsabiliza pela manufatura. As grandes empresas/compradores líderes (retailers ou marketers, donos das marcas reconhecidas em todo mundo) atuam na coordenação e especificações do processo produtivo e comandam a comercialização e distribuição dos produtos (COSTA, 2011).
Do lado da organização industrial, a indústria têxtil e de confecções apresenta um fluxo linear de atividades econômicas e uma cadeia longa de produção, que se inicia no beneficiamento e fiação de fibras, passa pela tecelagem, até a confecção de produtos finais para o consumo ou para o uso como insumos em outros setores econômicos. No esquema da cadeia produtiva dessa indústria ilustrado na Figura 1, percebe-se o encadeamento das atividades econômicas (ABIT; CNI, 2017).
Essas atividades se articulam e apresentam os seguintes subsetores: fibras (naturais e filamentos químicos); fiação; tecelagem plana; malharia (chamado de “manufaturados têxteis”); acabamento ou beneficiamento; e, por fim, confecção de bens acabados. Os produtos têxteis finalizados nos processos produtivos dão origem a bens intermediários, de uso industrial, ou bens de consumo finais na forma de roupas ou utilidades domésticas (TAVES, 2013).
Com relativo grau de complexidade e integração do fluxo de atividades, a divisão setorial da cadeia têxtil, confecções e vestuário se delimita pelas descontinuidades tecnológicas, que caracterizam estes setores. Isso significa dizer que as etapas de produção podem ser efetivadas com diferentes escalas, de modo especializado e com vários graus de integração vertical. Assim, as diferenças tecnológicas entre as atividades dificilmente causam problemas na compatibilização ao longo do processo produtivo.
A cadeia têxtil-confecção brasileira passou por inúmeras transformações nas últimas décadas. As grandes empresas integradas de tecelagem procuraram se modernizar em termos de equipamentos e focaram seus negócios em produtos padronizados. Nesse contexto, o Brasil apresenta algum grau de vantagem competitiva na produção de tecidos pesados (índigo/denim), tecidos felpudos e para linha de cama e mesa. Na produção de denim, o Brasil é o quarto maior produtor mundial desse tecido, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção – Abit, estando atrás apenas da China, Índia e Turquia. Entre 2016 e 2017, cerca de 500 milhões de metros lineares de denim foram produzidos por ano no país (COSTA, 2011).
Figura 1 – Cadeia produtiva da indústria têxtil e de confecções
Fonte: Abit e CNI (2017).
O segmento de confecção e vestuário, de outro lado, se caracteriza pelo elevado grau de diferenciação em relação ao uso de matérias-primas e pela utilização de diferentes processos produtivos e formas de concorrência, sendo poucas as barreiras à entrada de novas empresas no setor. Há elevada segmentação e coexistência de grandes empresas integradas com empresas de portes médio e pequeno, que procuram preencher os nichos de mercado.
Apesar do esforço de modernização da capacidade instalada antes da crise global de 2008, ainda se fazem presentes hoje equipamentos básicos de costura de baixo investimento no setor de confecções, o que permite a instalação de novas unidades de produção de médio e pequeno portes relativamente defasadas. Estas características, associadas às descontinuidades tecnológicas presentes nesses setores, reforçam a fragmentação e heterogeneidade das unidades produtivas do ponto de vista de tamanho, da escala de produção e do padrão tecnológico.
3. A indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo: desempenho e produtividade
A evolução da indústria têxtil e de confecções no Estado foi marcada por fases de expressivo crescimento, intercaladas por períodos de menor atividade até a década de 1980. A primeira importante modernização se deu nos anos 1970, quando as empresas conseguiram se atualizar, incorporando máquinas e equipamentos atualizados tecnologicamente num ciclo de investimentos apoiado por incentivos fiscais e aportes de financiamentos do BNDES.
A crise subsequente dos anos 1980 e a abertura comercial impactaram a indústria têxtil e de confecções. Três mudanças se destacam nesse processo. A primeira refere-se à busca por ganhos de produtividade por meio do aumento da relação capital/trabalho, especialmente no setor têxtil. A segunda foi a forte concorrência de tecidos artificiais e sintéticos importados da Ásia, que forçou as empresas a buscarem cortes de custos e readequação dos investimentos, substituindo progressivamente tecidos planos por malhas de algodão para, assim, conseguirem competir em um mercado doméstico em ascensão, dado os ganhos de renda com a estabilização da moeda em 1994. Por fim, a terceira está relacionada ao deslocamento da produção para o Nordeste e demais regiões, na década de 1990, incentivado, em particular pelos investimentos de elevada escala em plantas têxteis de fabricação de fios e tecidos de algodão (sarjas, índigo, tecidos para lençóis e malhas para a confecção de camisetas). Já o Sudeste concentrou a produção de fios sintéticos e artificiais, desde as grandes empresas fornecedoras de matérias-primas como o elastano, a viscose, o poliéster e o náilon, dentre outras, até as médias e pequenas tecelagens, malharias e confecções. Na época, destacavam-se no Estado de São Paulo importantes aglomerações produtivas em Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Nova Odessa e Sumaré (GORINI, 2000).
Busca de ganhos de produtividade, deslocamento de parte da produção para o Nordeste e demais regiões, forte concorrência das exportações oriundas da Ásia e transformações na cadeia produtiva global marcaram a indústria têxtil e de confecções na virada do século XX para o XXI. Como São Paulo se posicionou diante do quadro desta indústria?
3.1 Dimensão e desempenho da indústria têxtil e de confecções do Estado de São Paulo
A dimensão da indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo pode ser aferida pelos dados da Pesquisa Industrial Anual – PIA de 2018, do IBGE (empresas com cinco ou mais empregados). De acordo com este levantamento, o segmento chegou àquele ano com 8.610 unidades locais (UL) e 215 mil empregos, distribuídos entre a indústria têxtil (1.999 ULs e 85 mil postos de trabalho) e de confecções e vestuário (6.611 ULs e 130 mil empregos). Estas empresas obtiveram receitas líquidas de vendas no valor de R$ 29,7 bilhões no mesmo ano, sendo que 60,1% deste montante se concentrou no setor têxtil (R$ 17,6 bilhões) e 40,9% no segmento de confecções e vestuário (R$ 12,1 bilhões) (Tabela 1).
O valor de transformação industrial (VTI) da indústria têxtil e de confecções paulista foi de 13,4 bilhões em 2018, representando 30% do total de VTI da indústria brasileira, cujo montante atingiu R$ 44,5 bilhões. No setor têxtil de São Paulo, a participação no total do Brasil alcançou 36,9%, com VTI de R$ 7,0 bilhões. Na indústria de confecção, em 2018, o VTI correspondeu a R$ 6,4 bilhões e a participação no Brasil foi menor, de 24,9%.
Na indústria têxtil, o subsetor com maior tamanho é a fabricação de artefatos têxteis (exceto vestuário), com 1.124 unidades locais, 37,8 mil empregados, receita líquida de R$ 6,8 bilhões e VTI da ordem de R$ 2,7 bilhões, com participações destas variáveis no total do Brasil superiores a 40%.
No caso da indústria de confecção, o destaque é o subsetor de confecção de artigos de vestuário e acessórios. O peso desta indústria paulista no total do Brasil é menor, na faixa entre 25%. Este subsetor, com 6.528 unidades locais e 126 mil empregos, gerou, no mesmo período, R$ 11,6 bilhões de receita líquida e R$ 6,0 bilhões de VTI.
Tabela 1 – Número de unidades locais, pessoal ocupado, receita líquida e valor de transformação industrial (VTI)
Brasil e Estado de São Paulo, 2018
|
Setor têxtil e de confecções |
Número de |
SP/BR (%) |
Pessoal |
SP/BR (%) |
Receita líquida |
SP/BR (%) |
VTI |
SP/BR (%) |
|||||||||||||||
|
Brasil |
São Paulo |
Brasil |
São Paulo |
Brasil |
São Paulo |
Brasil |
São Paulo |
||||||||||||||||
|
Têxtil |
5.716 |
1.999 |
35,0 |
245.787 |
85.933 |
35,0 |
48.021 |
17.556 |
36,6 |
18.992 |
7.004 |
36,9 |
|||||||||||
|
Preparação e fiação de fibras têxteis |
416 |
115 |
27,6 |
33.284 |
8.657 |
26,0 |
7.197 |
2.038 |
28,3 |
2.348 |
753 |
32,1 |
|||||||||||
|
Tecelagem, exceto malha |
744 |
329 |
44,2 |
73.029 |
23.491 |
32,2 |
15.634 |
5.404 |
34,6 |
6.240 |
2.220 |
35,6 |
|||||||||||
|
Fabricação de tecidos de malha |
563 |
131 |
23,3 |
24.247 |
7.223 |
29,8 |
7.010 |
2.187 |
31,2 |
2.371 |
816 |
34,4 |
|||||||||||
|
Acabamentos em fios, tecidos e |
1.193 |
300 |
25,1 |
33.038 |
8.727 |
26,4 |
3.286 |
1.100 |
33,5 |
1.712 |
493 |
28,8 |
|||||||||||
|
Fabricação de artefatos têxteis, |
2.800 |
1.124 |
40,1 |
82.189 |
37.835 |
46,0 |
14.893 |
6.827 |
45,8 |
6.321 |
2.723 |
43,1 |
|||||||||||
|
Confecção de vestuário e acessórios |
24.715 |
6.611 |
26,7 |
542.959 |
130.056 |
24,0 |
47.981 |
12.144 |
25,3 |
25.538 |
6.353 |
24,9 |
|||||||||||
|
Confecção de artigos do vestuário e acessórios |
23.990 |
6.528 |
27,2 |
529.807 |
126.126 |
23,8 |
46.569 |
11.597 |
24,9 |
24.679 |
6.054 |
24,5 |
|||||||||||
|
Artigos de malharia e tricotagem |
725 |
83 |
11,4 |
13.152 |
3.930 |
29,9 |
1.412 |
546 |
38,7 |
859 |
300 |
34,9 |
|||||||||||
|
Total – Têxtil e confecções |
30.431 |
8.610 |
28,3 |
788.746 |
215.989 |
27,4 |
96.002 |
29.700 |
30,9 |
44.530 |
13.357 |
30,0 |
|||||||||||
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA.
Entre 2007 e 2018, a participação média dos setores têxtil e de confecções na indústria de transformação de São Paulo foi de 3,4%. Após a crise global de 2008, este porcentual apresentou duas fases bem distintas. Na primeira, de 2007 a 2011, anos de grande oscilação da atividade econômica, a participação do VTI destes setores no total da indústria de transformação permaneceu praticamente estável, variando de 3,8% para 3,9%. No agregado dos demais estados excluindo-se São Paulo, a participação dos setores foi maior e registrou crescimento, passando de 4,1% para 4,8% no mesmo período (Gráfico 1).
A partir de 2011, o desempenho da produção de têxteis, confecções e vestuário no país sentiu a deterioração das conjunturas internacional e doméstica. A indústria paulista se contraiu de forma mais intensa: enquanto no agregado dos demais estados (menos São Paulo), o peso do VTI destes setores na indústria de transformação se manteve, até 2014, próximo do nível registrado em 2010 (5,0%), em São Paulo, a participação da produção de produtos têxteis, vestuário e confecções caiu de 3,9% (2011) para 3,3% (2014).
A recessão econômica no país se aprofundou entre 2015 e 2016, atingindo a produção de têxteis, confecções e vestuários. Do ponto de vista da estrutura da indústria de transformação, a participação destes segmentos na economia paulista manteve a tendência de regressão, chegando a 3,1% em 2016. Estas indústrias dos demais estados também diminuíram sua participação, passando de 4,9% (para 4,5%, entre 2014 e 2015, mas nota-se que o movimento se reverteu em 2016, quando o patamar alcançou 4,7%.
Gráfico 1 – Participação da indústria têxtil e de confecções no VTI da indústria de transformação
Brasil e Estado de São Paulo, 2007-2018, em %
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA.
O ano de 2017 marcou o início da recuperação econômica. Esta retomada apresentou continuidade em 2018, mas com relativa desaceleração, especialmente no caso do Brasil. Na média do país, entre 2017 e 2018, a massa de rendimento real dos ocupados cresceu 2,8%, na comparação interanual, e o valor adicionado da indústria de transformação avançou 1,6%. Em São Paulo, a atividade econômica também evoluiu positivamente e, neste período, tais indicadores cresceram, respectivamente, 3,5% e 3,9%, na mesma base de comparação.
Esse contexto foi positivo para os setores têxtil e de confecções, que ampliaram a utilização da capacidade instalada e a produção entre 2017 e 2018, fatores que impulsionaram sua participação no VTI da indústria de transformação, aumentando de 3,0% para 3,2%, em São Paulo. Nos demais estados, nota-se queda de 4,9% para 4,3% (Gráfico 1).
Em resumo, no ano imediatamente anterior (2007) à crise global de 2008, a diferença entre a participação da indústria têxtil e de confecções na indústria de transformação no Estado de São Paulo e nos demais estados da federação foi de 0,3 p.p. Ao longo do período, esta diferença cresceu e alcançou 1,8 p.p. em 2017, o que demonstra perda relativa (em pontos porcentuais) da capacidade de gerar valor adicionado nestes segmentos da indústria paulista. Em 2018, tal diferença diminuiu levemente para 1,1 p.p.
Dois fatores podem estar na raiz desse fenômeno. O cenário econômico fraco e incerto somou-se à hipótese de que a tendência de desconcentração da produção e do investimento adicional para outras regiões do país tenha se mantido, em algum grau, em determinados segmentos dos setores têxtil e de confecções.
Outro indicador para avaliar o desempenho dessa indústria é a relação entre o VTI e o valor bruto da produção (VBP), que mensura quanto uma atividade econômica gera de riqueza em determinado período diante da sua produção corrente. Pode-se inferir que uma relação VTI/VBP baixa e que regrediu no tempo é um indicador indireto que expressa algum grau de redução das cadeias produtivas que operam na região.
A comparação do desempenho da indústria paulista com a média dos demais estados mostra que este indicador evoluiu menos em São Paulo. A variação da capacidade de gerar valor adicionado do agregado da indústria têxtil e de confecções paulista cresceu apenas 2,1 pontos porcentuais e atingiu 43,4% (VTI/VBP) em 2016. Este resultado ocorreu em função, exclusivamente, da alta expressiva observada no segmento de confecções e vestuário, cuja relação subiu para 49,4% (acréscimo de 6,9 p.p.), enquanto na indústria têxtil paulista nota-se redução de 40,1% para 38,5% (-1,3 p.p), entre 2007 e 2016.
Gráfico 2 – Comparativo da capacidade de agregar valor – Valor da transformação industrial – VTI/Valor bruto da produção – VBP
Brasil e Estado de São Paulo, 2007-2018, em %
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA.
Nos demais estados da federação, a relação VTI/VBP dos setores têxtil e de confecções e vestuários é superior à registrada em São Paulo e cresceu de forma mais contundente, passando de 44,0% para 49,3%, entre 2007 e 2016. Nos dois principais segmentos – indústria têxtil e fabricação de confecções e vestuário –, o indicador aumentou, no mesmo período, de 38,5% para 41,2% e de 50,5% para 55,9%, respectivamente.
Os anos de 2017 e 2018 caracterizam-se pela recuperação da capacidade de gerar valor adicionado na cadeia produtiva paulista do setor de têxtil e de confecções, o que significou alteração da trajetória observada até então. O indicador para São Paulo atingiu 45,6% em 2018, com expansão de 2,3 p.p. em relação a 2016.3 Todavia, em 2018, esse patamar ainda permaneceu 2,6 p.p. abaixo da média dos demais estados. Nestas regiões, a relação VTI/VBP caiu 1,1 p.p. e atingiu 48,2%. Cabe destacar que os dois segmentos dessa indústria em São Paulo – as indústrias têxtil e de confecções – obtiveram ganhos neste indicador neste período, sendo que, no caso da têxtil, o patamar de São Paulo de 2018 igualou-se à média dos demais estados, na faixa de 40,0%.
Apesar de ter havido ganhos no indicador de capacidade de gerar valor adicionado em São Paulo inferiores à média dos demais estados devido à retração do segmento têxtil até 2016 e incrementos em 2017 e 2018, a evolução real do valor de transformação industrial (VTI), descontada a inflação medida pelo índice de preços por atacado de cada setor, mostra que, de fato, diminuiu o espaço da indústria paulista de produtos têxtil e de confecções no mercado doméstico e que, em algum grau, houve perda de competitividade, em relação às plantas produtivas de outros estados.
Tomando o VTI (base 100 = 2007) a preços constantes deflacionados pelos índices de preços do atacado (IPAs), a indústria paulista de têxtil, vestuário e confecções regrediu 1,1% ao ano entre 2007 e 2018, atingindo no final da série o índice de 88,2. Nos demais estados, o resultado foi o oposto, com expansão anual na faixa de 3,4% neste período, sendo que, em 2018, o indicador alcançou o patamar de 144,1 (Tabela 2).
Tabela 2 – Índices do valor de transformação industrial (VTI) a preços constantes nos setores têxtil e de confecções
Brasil e Estado de São Paulo, 2007-2018
|
Períodos |
São Paulo |
Brasil (menos São Paulo) |
|||||||||
|
Têxtil e vestuário e confecções |
Têxtil |
Vestuário e confecções |
Têxtil e vestuário e confecções |
Têxtil |
Vestuário e confecções |
||||||
|
Índice (Base 2007 = 100) |
|||||||||||
|
2007 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
|||||
|
2008 |
100,0 |
109,5 |
90,0 |
115,3 |
110,0 |
120,0 |
|||||
|
2009 |
108,3 |
107,0 |
109,8 |
122,5 |
112,5 |
131,4 |
|||||
|
2010 |
102,3 |
112,9 |
91,3 |
150,1 |
126,5 |
171,0 |
|||||
|
2011 |
115,5 |
101,3 |
130,4 |
140,8 |
110,3 |
168,0 |
|||||
|
2012 |
110,5 |
106,6 |
114,7 |
156,3 |
120,4 |
188,2 |
|||||
|
2013 |
106,3 |
101,5 |
111,4 |
165,7 |
124,7 |
202,1 |
|||||
|
2014 |
95,6 |
96,0 |
95,1 |
164,0 |
121,0 |
202,3 |
|||||
|
2015 |
85,9 |
84,8 |
87,1 |
145,9 |
109,8 |
178,0 |
|||||
|
2016 |
79,9 |
74,6 |
85,4 |
140,6 |
102,8 |
174,1 |
|||||
|
2017 |
78,0 |
84,5 |
71,3 |
147,6 |
111,9 |
179,3 |
|||||
|
2018 |
88,2 |
83,8 |
92,8 |
144,1 |
107,0 |
177,0 |
|||||
|
Variação anual por períodos (%) |
|||||||||||
|
2007/2011 |
3,7 |
0,3 |
6,9 |
8,9 |
2,5 |
13,8 |
|||||
|
2011/2013 |
-4,1 |
0,1 |
-7,6 |
8,5 |
6,4 |
9,7 |
|||||
|
2013/2016 |
-9,1 |
-9,7 |
-8,5 |
-5,3 |
-6,2 |
-4,8 |
|||||
|
2017/2016 |
-2,3 |
13,2 |
-16,5 |
5,0 |
8,9 |
3,0 |
|||||
|
2018/2017 |
13,1 |
-0,7 |
30,2 |
-2,4 |
-4,4 |
-1,3 |
|||||
|
2007/2018 |
-1,1 |
-1,6 |
-0,7 |
3,4 |
0,6 |
5,3 |
|||||
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA.
(1) Valor deflacionado pelos Índices de Preços por Atacado (IPAs) dos setores têxtil e de confecções.
Em relação à abertura setorial entre têxtil e confecções, a evolução do índice do VTI a preços constantes registrou, entre 2007 e 2018, retração anual nos dois segmentos em São Paulo de, respectivamente, -1,6% e -0,7% a.a. No caso do agregado dos demais estados, nota-se alta em vestuário e confecções (5,3% a.a.) e no segmento de têxtil (0,6% a.a.).
Se desagregarmos as informações por períodos, observa-se que, em todos eles, a indústria paulista têxtil e de confecções apresentou resultado inferior à média dos demais estados. A exceção foi o ano de 2018, quando o desempenho do VTI a preços constantes indicou recuperação dessa indústria no Estado de São Paulo.
No seu agregado, em 2018, a variação registrou alta de 13,1%, em relação a 2017, enquanto na média dos demais estados nota-se queda de 2,4%. Este resultado deveu-se, exclusivamente, ao crescimento de 30,2% no segmento paulista da indústria de confecções. O setor têxtil paulista, que havia apresentado expressiva alta em 2017 (13,2% em relação a 2016), encerrou 2018 com pequena retração do VTI (-0,7%), na comparação interanual.
3.2 Produção física da indústria têxtil e de confecções
As informações conjunturais da produção industrial dos setores têxtil e de confecções para o período 2007 a 2018 complementam a análise da estrutura produtiva e do desempenho abordada no item anterior, dada pela trajetória do valor de transformação industrial da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.
A evolução da produção física da indústria paulista de têxtil mostrou-se superior aos resultados de dois estados (Ceará e Minas Gerais) e inferior ao de Santa Catarina, na comparação entre as variações anuais para o total do período. Entre 2007 e 2018, o índice de volume da produção industrial têxtil de São Paulo registrou queda anual de 4,1% na Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física – PIM-PF (IBGE). Esta variação para Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina foi de, respectivamente, -7,4%, -5,0% e -3,0% (Tabela 3).
Tabela 3 – Índices da produção física dos setores têxtil e de confecções
Estados de São Paulo, Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina, 2007-2018
|
Períodos |
Têxtil |
Vestuário e confecções |
|||||||||||
|
São Paulo |
Ceará |
Minas |
Santa |
São Paulo |
Ceará |
Santa |
|||||||
|
Índice (Base 2007 = 100) |
|||||||||||||
|
2007 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
||||||
|
2008 |
97,3 |
94,5 |
94,6 |
101,8 |
108,3 |
105,2 |
102,0 |
||||||
|
2009 |
87,8 |
97,5 |
82,4 |
95,4 |
104,9 |
106,0 |
99,1 |
||||||
|
2010 |
92,5 |
95,6 |
86,0 |
99,7 |
115,6 |
101,5 |
105,6 |
||||||
|
2011 |
82,3 |
71,9 |
74,2 |
82,1 |
112,9 |
93,0 |
116,7 |
||||||
|
2012 |
75,8 |
69,9 |
74,9 |
82,8 |
97,8 |
80,5 |
103,0 |
||||||
|
2013 |
76,5 |
71,5 |
81,4 |
78,7 |
99,9 |
90,9 |
108,4 |
||||||
|
2014 |
72,5 |
53,2 |
74,8 |
75,2 |
96,6 |
91,3 |
108,6 |
||||||
|
2015 |
62,1 |
35,5 |
53,3 |
66,0 |
82,4 |
84,1 |
105,2 |
||||||
|
2016 |
59,3 |
54,8 |
59,3 |
65,8 |
78,0 |
74,7 |
102,5 |
||||||
|
2017 |
64,2 |
40,7 |
62,2 |
67,3 |
78,3 |
81,7 |
106,6 |
||||||
|
2018 |
63,2 |
43,0 |
56,7 |
71,6 |
71,2 |
75,5 |
112,8 |
||||||
|
Variação anual por períodos (%) |
|||||||||||||
|
2007/2011 |
-4,7 |
-7,9 |
-7,2 |
-4,8 |
3,1 |
-1,8 |
3,9 |
||||||
|
2011/2013 |
-3,6 |
-0,3 |
4,7 |
-2,1 |
-5,9 |
-1,2 |
-3,6 |
||||||
|
2013/2016 |
-8,1 |
-8,5 |
-10,0 |
-5,8 |
-7,9 |
-6,3 |
-1,8 |
||||||
|
2016/2018 |
3,2 |
-11,5 |
-2,3 |
4,3 |
-4,5 |
0,5 |
4,9 |
||||||
|
2007/2018 |
-4,1 |
-7,4 |
-5,0 |
-3,0 |
-3,0 |
-2,5 |
1,1 |
||||||
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Mensal – PIM-PF.
No caso do segmento de confecção e vestuário, a indústria paulista recuou anualmente 3,0%. Nos estados acompanhados pela PIM-PF, o Ceará apresentou retração de 2,5% a.a., variação um pouco mais próxima à de São Paulo, enquanto em Santa Catarina nota-se alta de 1,1% a.a.
Separando-se quatro períodos entre 2007 e 2018, observam-se situações diferentes entre São Paulo e os demais estados e entre os dois setores em foco. De modo geral, nos momentos de retração da atividade econômica, a indústria paulista de confecções recuou de forma mais intensa em relação aos estados acompanhados pela PIM-PF. Cabe destacar a queda de 7,9% deste segmento no Estado de São Paulo no período recessivo (2013-2016). Ceará e Santa Catarina apresentaram reduções anuais menores de, respectivamente, 6,3% e 1,8% (Tabela 3).
O desempenho da produção têxtil paulista na fase de recuperação dimensiona a reação do setor diante da forte queda do período anterior. Entre 2016 e 2018, o segmento registrou crescimento anual de 3,2% na produção física, acima do observado no Ceará (-11,5%) e em Minas Gerais (-2,3%), mas inferior ao resultado de Santa Catarina (4,3%). Este resultado alinhou-se com a reação da sua capacidade de gerar valor de transformação industrial (VTI).
Já a indústria de confecções paulista trilhou um caminho diferente. Nos anos iniciais da série, a intensidade da retomada no pós-crise de 2008 proporcionou, entre 2007 e 2011, alta anual de 3,1%, abaixo da observada em Santa Catarina (3,9%), mas superior à queda registrada no Ceará (-1,8%). Nos demais períodos, o desempenho da produção física desta indústria em São Paulo foi negativo e inferior aos demais estados, em linha com o menor patamar da sua produtividade.
3.3 Evolução da produtividade
O indicador de produtividade, medido pela relação entre o VTI a preços constantes e o pessoal ocupado em 31/12 em cada ano da série, reflete, de certa maneira, o atual cenário da indústria paulista têxtil e de confecções.
Tomando-se o período como um todo, nota-se que a produtividade desta indústria em São Paulo encerrou 2018 com um índice de 104,8 e permaneceu praticamente estagnada desde 2007, com crescimento anual de apenas 0,4% neste período. Tal resultado refletiu quedas no VTI e no emprego, entre 2007 e 2018, da ordem de, respectivamente 11,8% e 15,8%. Nas demais regiões do país, a produtividade da indústria cresceu de forma ininterrupta, atingindo, em 2018, o índice de 150,0, o que significou um crescimento anual de 3,8%. Essa expansão da produtividade no agregado dos demais estados deveu-se também a uma redução do emprego de 3,9%, mas respondeu especialmente pelo crescimento real observado no VTI, de 44,1% entre 2007 e 2018 (Gráfico 3 e Tabela 4).
Esta trajetória da produtividade nos setores da indústria têxtil e de confecções mostra que, provavelmente, os novos investimentos das empresas fora de São Paulo criaram estruturas produtivas em locais onde, antes, não havia produção, capturando assim, de forma crescente, o aumento da demanda doméstica por estes bens. A alta do número de unidades locais nestas regiões, que foi de 388 entre 2007 e 2018, demonstra o fluxo de inversões para as demais regiões do país. Isso possibilitou que o VTI gerado na produção nestes setores aumentasse de forma contínua neste período, consolidando suas cadeias produtivas locais.
Gráfico 3 – Evolução da produtividade (1) da indústria têxtil e de confecções
Brasil e Estado de São Paulo, 2007-2018
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA; Fundação Getúlio Vargas – FGV (IPAs); Fundação Seade.
(1) Produtividade calculada pela divisão do Valor de Transformação Industrial (VTI) a preços constantes, deflacionado pelo Índice de Preços por Atacado (IPA), pelo total de ocupados no setor em 31/12 de cada ano.
Tabela 4 – Índices de produtividade da indústria têxtil e de confecções
Brasil e Estado de São Paulo, 2007-2018
|
Períodos |
São Paulo |
Brasil (menos São Paulo) |
|||||||||
|
Têxtil e vestuário e confecções |
Têxtil |
Vestuário e confecções |
Têxtil e vestuário e confecções |
Têxtil |
Vestuário e confecções |
||||||
|
2007 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
|||||
|
2008 |
91,6 |
106,3 |
79,0 |
110,0 |
112,2 |
111,1 |
|||||
|
2009 |
95,9 |
105,9 |
89,9 |
112,6 |
113,7 |
115,9 |
|||||
|
2010 |
95,7 |
109,5 |
83,1 |
126,9 |
123,3 |
136,2 |
|||||
|
2011 |
102,9 |
101,4 |
107,3 |
124,8 |
112,0 |
140,6 |
|||||
|
2012 |
98,8 |
106,5 |
95,0 |
139,3 |
124,6 |
157,6 |
|||||
|
2013 |
103,2 |
107,2 |
101,9 |
137,6 |
122,5 |
156,6 |
|||||
|
2014 |
88,4 |
99,4 |
81,4 |
140,1 |
120,5 |
162,0 |
|||||
|
2015 |
92,7 |
106,6 |
84,8 |
142,7 |
130,1 |
161,1 |
|||||
|
2016 |
89,5 |
96,4 |
87,0 |
143,0 |
123,7 |
165,2 |
|||||
|
2017 |
98,0 |
104,6 |
90,5 |
151,0 |
133,3 |
172,2 |
|||||
|
2018 |
104,8 |
107,9 |
104,1 |
150,0 |
126,6 |
174,5 |
|||||
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Anual – PIA; Fundação Getúlio Vargas – FGV (IPAs); Fundação Seade.
Nota: Base: 2007 = 100.
São Paulo fez um movimento mais defensivo, ajustou o nível de emprego da indústria têxtil e de confecções e fechou 1.211 ULs entre 2007 e 2018, no contexto de acirramento da concorrência dos produtos importados e de estagnação ou queda, especialmente no setor de confecções, da receita líquida das vendas de produtos e serviços neste período. Tais fatores influenciaram sobremaneira a redução real do VTI gerado na indústria paulista até, pelo menos, 2016.
Como visto anteriormente, a conjuntura da indústria têxtil e de confecção paulista mostrou-se positiva em 2017 e 2018, com crescimento do VTI a preços constantes, maior capacidade de gerar valor adicionado e aumento do número de empregados, quadro que determinou recuperação do indicador de produtividade. Em 2018, este índice do setor têxtil atingiu o patamar de 107,9 e se aproximou do registrado em 2010 (109,5), o maior nível observado no período.
No setor de confecção paulista, o índice atingiu 104,1 em 2018, acima da produtividade verificada na recessão de 2015-2016, cujo patamar se situou na faixa de 85,0. Este aumento da produtividade da indústria de confecção paulista em 2018 foi influenciado pela alta no VTI (30,2%, em termos reais, em relação a 2017), que compensou a também expressiva alta do emprego neste período (13,1%).
Nos demais estados, a trajetória da produtividade do setor de têxtil e confecções, no biênio 2017 e 2018, mostrou-se bem mais positiva, atingindo o patamar de 150,0. Nota-se que, no setor de confecção, o índice em 2018 alcançou 174,5, o maior nível registrado desde 2007. Este resultado deveu-se às quedas no emprego e no VTI de, respectivamente, 2,6% e 1,3%, neste período.
Do ponto de vista da evolução da produtividade dos setores que compõem esta indústria, percebem-se, na comparação entre São Paulo e os demais estados, as seguintes tendências entre 2007 e 2018 (Tabela 4):
• a produtividade nos dois segmentos – têxtil e de confecções – no agregado dos demais estados é superior à observada na indústria paulista;
• ao longo do período, a produtividade da indústria paulista ficou praticamente estagnada, com pequenas oscilações ano a ano. No setor têxtil, nota-se uma alta anual um pouco maior neste período (0,7% a.a.). No segmento de confecções, o crescimento foi menor, de 0,4% a.a. Se a comparação neste setor fosse entre 2007 e 2017, o índice de produtividade apresentaria retração. Já na média dos demais estados, observa-se crescimento anual nestes setores de, respectivamente, 2,2% e 5,2% a.a;
• entre os setores, em São Paulo, a produtividade da fabricação de produtos têxteis é superior à registrada no segmento de vestuário e confecções. Nos demais estados a situação é inversa.
4. A balança comercial da indústria têxtil e de confecções: Brasil e São Paulo
A fragilidade da indústria têxtil e de confecções, expressa quantitativamente até aqui pela baixa produtividade, pela redução da produção física e do emprego e pela diminuição da sua participação na indústria de transformação, teve como contrapartida a elevação do seu déficit da balança comercial.
As informações da balança comercial da indústria têxtil e de confecções, extraídas da base do Ministério da Economia,4 indicam que o Brasil e São Paulo se consolidaram como regiões importadoras de produtos têxteis e confeccionados.
O saldo negativo da balança comercial da cadeia têxtil e de confecções paulista apresentou crescimento ininterrupto entre 2007 e 2014. De um déficit de US$ 273 milhões registrado em 2007, a balança comercial do setor em São Paulo atingiu um saldo negativo de U$$ 1,9 bilhão em 2014, o que significou expansão de 31,8% ao ano. Naquele ano, as importações alcançaram o montante de US$ 2,3 bilhões e as exportações somaram US$ 415 milhões (Gráfico 4).
Gráfico 4 – Balança comercial da indústria têxtil e de confecções (1)
Estado de São Paulo, 2007-2018, em US$ milhões
Fonte: Ministério da Economia.
(1) O saldo agrega informações dos seguintes códigos de divisão: 26 – fibras têxteis (exc. tops de lã e outra lã penteada) e seus resíduos (não transformados em fios/tecido); 65 – fios têxteis, tecidos, artigos confeccionados, n.e.p. e produtos relacionados; e 84 – artigos de vestuário e seus acessórios.
O mercado interno, de certo modo, é o destino principal da produção da indústria têxtil e de confecções e vestuários e as exportações estão, em grande parte, associadas à retração da demanda doméstica, sendo que poucas empresas, em alguns nichos, focam sua estratégia na ampliação da inserção no mercado mundial. Já o forte crescimento das importações sofreu influência de pelo menos dois fatores.
De um lado, excluindo-se 2009, o câmbio permaneceu, entre 2007 e 2014, apreciado, na faixa entre R$/US$ 1,50 e R$/US$ 2,40 (Gráfico 5), o que estimulou as importações e diminuiu a rentabilidade das exportações. De outro, a perda de competitividade via câmbio ganhou força pela constante redução da produtividade no setor num ambiente econômico de forte concorrência via preços dos países asiáticos e da China.
Gráfico 5 – Taxa nominal diária de câmbio – R$/US$
Brasil, 2007-2018
Fonte: Banco Central do Brasil.
Os impactos do aprofundamento da queda da demanda interna na recessão pós-2014 e os seus efeitos deletérios na atividade industrial do setor têxtil e de confecções, como vimos anteriormente, combinados com a desvalorização do câmbio entre 2014 e 2018, fizeram com que o saldo negativo da balança comercial do setor refluísse para o patamar de US$ 946 milhões em 2016, com importações de US$ 1,3 bilhão (-43,2%, em relação ao pico de 2014).
A retomada do crescimento econômico no biênio 2017-2018, apesar de ter sido fraca e de o câmbio estar mais desvalorizado, impulsionou as compras externas do setor têxtil e de confecções. As importações subiram novamente para o patamar de US$ 1,6 bilhão no último ano da série e o déficit comercial atingiu US$ 1,1 bilhão neste período.
A composição da balança comercial paulista apresentou mudanças ao longo do período. Entre 2007 e 2014, a importação de artigos de vestuário e acessórios ganhou relevância e seu peso no total das compras externas passou de 26,4% para 56,8%, neste período, atingindo o montante de US$ 1,3 bilhão, em 2014. Esta tendência perdeu força nos anos recentes e a participação do segmento de vestuário diminui para a faixa de 36,7% em 2018. Este patamar se situou acima do registrado em 2007.
A participação das importações de fios têxteis e tecidos, que havia diminuído para 39,5% do total em 2014, voltou a subir em 2018 para o patamar de 58,5% (US$ 622 milhões) do total. No caso das fibras têxteis, este porcentual é menor e, em 2018, se situou na faixa de 4,9% (US$ 89 milhões).
O principal país de origem das importações paulistas da indústria têxtil e de confecções é a China, cuja participação nas compras externas dessa indústria subiu nos últimos dez anos. A China se destaca com 38% do total das importações do setor em 2018, com alta de 15,5 p.p., em relação ao patamar de 2007 (ver Tabela 1 do anexo).
Gráfico 6 – Composição das importações da indústria têxtil e de confecções
Estado de São Paulo, 2007-2018, em %
Fonte: Ministério da Economia.
Em seguida vêm os Estados Unidos, com 6,2% do total das compras externas, mas este país perdeu, entre 2007 e 2018, 6,9 p.p. de participação nas importações paulistas. Em 2018, destacam-se ainda, na lista dos dez maiores exportadores de produtos têxteis e de confecções para São Paulo, Bangladesh (5,4%), Vietnã (4,6%), Índia (4,3%) e Turquia (3,2%).
Por fim, cabe comentar a importância de São Paulo na balança comercial da indústria têxtil e de confecções brasileira. Nas importações, o ano de maior contribuição do Estado foi o de 2014, quando atingiu 30,1% do total das compras externas do país. A importação de artigos de vestuário representou 44,3% do total naquele ano, vindo a seguir os subsetores de fibras têxteis e fios têxteis, com, respectivamente, 28,8% e 20,7% do total. Em 2018, o peso de São Paulo no total do Brasil refluiu para 26,0%, com reduções em todos setores (Tabela 5).
Tabela 5 – Participação do Estado de São Paulo no total brasileiro de exportações e importações da indústria têxtil e de confecções, 2007-2018, em %
|
Indústria têxtil e de confecções e vestuário |
2007 |
2014 |
2018 |
||
|
Importações |
|||||
|
Artigos de vestuário e seus acessórios |
37,2 |
44,3 |
40,4 |
||
|
Fios têxteis, tecidos, artigos confeccionados, n.e.p. e |
25,6 |
20,7 |
17,6 |
||
|
Fibras têxteis (exc. tops de lã e outra lã penteada) e seus resíduos (não transformados em fios/tecido) |
18,0 |
28,8 |
23,2 |
||
|
Total das importações |
27,2 |
30,1 |
26,0 |
||
|
Exportações |
|
|
|||
|
Artigos de vestuário e seus acessórios |
31,1 |
25,0 |
25,9 |
||
|
Fios têxteis, tecidos, artigos confeccionados, n.e.p. e |
28,0 |
33,7 |
39,2 |
||
|
Fibras têxteis (exc. tops de lã e outra lã penteada)e seus resíduos(não transformados em fios/tecido) |
13,5 |
5,0 |
5,1 |
||
|
Total das exportações |
24,3 |
16,1 |
15,9 |
Fonte: Ministério da Economia.
Nas exportações, a participação da indústria têxtil e de confecções paulista no total do Brasil retraiu-se ao longo do período: em 2007 representava 24,3% das vendas externas, diminuindo para 16,1%, em 2014, e para 15,9%, em 2018. Em termos setoriais, o destaque foi o crescimento da participação das exportações de fios têxteis, que passou de 28,0% para 39,2%, entre 2007 e 2018.
5. A inovação na indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo
Dado o quadro da indústria têxtil, de confecções e vestuário paulista traçado até aqui e o contexto mundial acentuadamente mais competitivo, é imperativo avaliar o posicionamento desta indústria do ponto de vista da sua capacidade de inovar.
A inovação considerada na Pintec ampliou, na última edição, o seu escopo no sentido de enfatizar uma abordagem sistêmica, incorporando informações de inovações de produto e processo, organizacionais e de marketing. O conceito de empresa utilizado abrange tanto aquela que fez a inovação como a que adquiriu a inovação de outra companhia.
A análise dos setores têxtil e de confecções e vestuário, no que diz respeito ao tema, se concentra na avaliação das taxas de inovação de produto/processo, que mensuram a proporção das empresas que realizaram procedimentos inovativos no total da amostra, e na evolução dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento – P&D e sua relação com a receita líquida de vendas – RLV e com o total de gastos em atividades inovativas.
É importante destacar a necessidade de qualificar a efetividade das atividades inovativas. O indicador de qual é a natureza da inovação separa as diferenças entre inovações que são novidades somente para as empresas daquelas que são novas para o mercado nacional ou mundial. No sentido de se mensurar a competitividade de determinada região ou setor de atividade, as inovações para o mercado nacional ou mundial são as mais centrais. As atividades inovativas restritas às empresas são relevantes para os negócios das companhias, mas com baixo impacto na economia como um todo (ADDUCI; NOVAIS; ARAUJO, 2018).
De modo geral, a indústria brasileira em média inova pouco e concentra os investimentos mais nos processos do que em novos produtos. Segundo Buainain e Souza (2018), isto é um indicador do traço “conservador” das empresas brasileiras, que preferem inovar em resposta às restrições pontuais do processo produtivo, em vez de implementar comportamentos ativos no sentido de conquistar mercados e novas vantagens pela diferenciação de produtos.
A indústria de transformação paulista compilada pela Pintec registrou 12.738 empresas como implementadoras de inovação de produto e/ou processo no período 2012-2014, o que significou uma taxa global de inovação para a empresa de 34,2%. As taxas de inovação em processos e em produtos atingiram no período, respectivamente, 30,1% e 17,5%. Em 2014, os dispêndios realizados por 10.108 destas empresas em atividades inovativas alcançou o valor de R$ 27,4 bilhões (2,5% da RLV).
Na indústria têxtil e de confecções, a taxa de inovação alcançou 25,5%, abaixo da média da indústria de transformação,5 sendo que 1.699 empresas dispenderam, em 2014, R$ 541 milhões em atividades relacionadas à inovação (1,8% da RLV). As diferentes magnitudes entre as taxas de inovação dos setores têxtil e de confecção e vestuário carregam em si as assimetrias estruturais e econômicas desses segmentos (Tabela 6).
Tabela 6 – Empresas da indústria de transformação, têxtil e de confecções que implantaram inovação, taxas de inovação e dispêndios realizados pelas empresas nas atividades inovativas
Estado de São Paulo, 2012/2014
|
Indústrias |
2012-2014 |
2014 |
|||||||||||||||
|
Total |
No de empresas |
Taxas |
Dispêndios realizados pelas empresas inovadoras nas atividades inovativas |
||||||||||||||
|
Produto e/ou processo |
Processo |
Produto |
Global |
Processo |
Produto |
No de empresas |
Valor |
||||||||||
|
Indústria de transformação |
37.419 |
12.783 |
11.280 |
6.558 |
34,2 |
30,1 |
17,5 |
10.108 |
27.393.095 |
||||||||
|
Indústria têxtil, confecções e vestuário |
6.665 |
1.699 |
1.286 |
701 |
25,5 |
19,3 |
10,5 |
1.102 |
541.947 |
||||||||
|
Indústria têxtil |
1.462 |
665 |
636 |
231 |
45,5 |
43,5 |
15,8 |
593 |
366.402 |
||||||||
|
Indústria de confecções e vestuário |
5.203 |
1.034 |
651 |
471 |
19,9 |
12,5 |
9,0 |
509 |
175.545 |
||||||||
Fonte: IBGE. Pesquisa de Inovação – Pintec.
Na indústria têxtil, a proporção de empresas que reportaram inovações em relação ao total pesquisado atingiu 45,5% (665 companhias). Esta taxa de inovação é superior à média nacional da indústria de transformação e decorre da característica de esse setor ser mais intensivo em uso de capital e se organizar a partir de médias e grandes empresas.
Nesse setor, a quase totalidade das empresas que inovaram (665) reportaram inovação nos processos, o que significou uma taxa de 43,5%. No caso das inovações em produtos, o número de empresas se reduz para 231, com uma taxa de inovação de 15,8%. Em 2014, 593 companhias do setor têxtil gastaram R$ 366 milhões em atividades inovativas (2,1% da RLV).
Já o setor de confecções e vestuário se enquadra em mercados mais concorrenciais, com elevado número de empresas de menor porte e baixo grau de complexidade no uso de máquinas e equipamentos, fatores que influenciam a taxa de inovação, que atingiu 19,9% (1.034 empresas) no período 2012-2014. No caso da inovação em processos e em produtos, a proporção de empresas que registraram estas atividades foi de, respectivamente, 12,5% e 9,0%. Em 2014, os dispêndios em inovação reportados por 509 empresas de confecções e vestuário somaram R$ 175 milhões (1,3% da RLV).
A importância das inovações para a competitividade pode ser mensurada pela abertura do indicador em relação à criação de produtos novos para as empresas ou para o mercado nacional. O grau de novidade da inovação para o mercado mundial não foi considerado por ser muito pequeno. No período 2012-2014, apenas 216 empresas da indústria de transformação de São Paulo informaram inovações que produziram produtos novos para o mercado mundial. No caso dos setores têxtil e de confecções e vestuário somente dez empresas reportaram este tipo de inovação.
Gráfico 7 – Taxas de inovação de produto das indústrias de transformação, têxtil e de confecções, por tipo
Estado de São Paulo e demais estados, 2012/2014, em %
Fonte: IBGE. Pesquisa de Inovação – Pintec.
Tomando-se como indicadores de efetividade das atividades inovativas as inovações que geraram produtos novos para a empresa e para o mercado nacional, observa-se que as tendências se manifestaram no triênio 2012-2014 da seguinte forma:
• a taxa de inovação de produto novo para empresa da indústria de transformação paulista se apresentou inferior à média dos demais estados (13,5% contra 16,5%);
• no setor têxtil, esse indicador atingiu o patamar de 13,9%, superior ao observado nos demais estados (7,5%). No segmento de confecções e vestuário a taxa de inovação de produtos novos para a empresa foi de 7,4%, abaixo da média dos demais estados (10,9%);
• no indicador de maior relevância – inovação para novos produtos no mercado nacional –, que mensura o potencial de a inovação alterar o grau de competitividade da estrutura produtiva, o patamar da taxa de inovação é baixo nas economias brasileira e paulista;
• nesse índice, a indústria de transformação de São Paulo se destaca com uma taxa de 5,2% diante do resultado da média dos demais estados (3,2%). No setor têxtil paulista, essa taxa atingiu apenas 2,0%, patamar inferior ao registrado nos demais estados (2,6%). No caso da indústria de confecção e vestuário, as empresas paulistas apresentam um indicador um pouco superior à média dos demais estados (1,6% contra 1,4%), porém o patamar é muito reduzido.
Este perfil de baixa propensão a inovar das empresas brasileiras pode ser mensurado também pela evolução dos dispêndios relacionados às atividades inovativas. De modo geral, as empresas brasileiras e paulistas continuam alocando parcela pequena da receita líquida de vendas (RLV) em gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
No caso das atividades internas de P&D, em 2014, a indústria de transformação paulista registrou gastos da ordem de R$ 8,8 bilhões (0,81% da RLV). Esta proporção nos setores têxtil e de confecções é menor. A diferença é maior em relação à média da indústria no caso do setor têxtil, sendo que apenas ٢٣ empresas alocaram 0,14% da sua RLV para dispêndios em P&D internos (R$ 23,6 milhões), o que representou somente 6,5% do total de gastos inovativos. No setor de confecções e vestuário, o valor despendido por 26 empresas é maior, da ordem de R$ 70,4 milhões, o que significou 0,53% da RLV (Tabela 7) e 40,1% do das despesas totais.
A dimensão das aquisições externas de P&D por parte das empresas é ainda menos relevante. Nos setores em foco, até há um número maior de empresas na indústria têxtil (89 companhias), mas os valores envolvidos são irrisórios, na faixa de R$ 9,0 milhões neste setor e de R$ 2,7 milhões no segmento de confecções e vestuário.
Cabe destacar, por fim, o perfil dos demais gastos em atividades inovativas dentre os setores avaliados neste estudo. Em primeiro lugar, as atividades inovativas mais importantes, segundo as próprias empresas, são as aquisições de máquinas e equipamentos. Na média da indústria, esses gastos representaram, em 2014, 0,87% da RLV e 34,5% do total dos dispêndios.
Tabela 7 – Número de empresas e valor dos dispêndios relacionados às atividades inovativas nas indústrias de transformação, têxtil e de confecções
Estado de São Paulo, 2014
|
Dispêndios nas atividades inovativas |
Total da indústria |
Têxtil |
Confecções |
||||||||||||||||||||
|
No de empresas |
Valor (R$ mil) |
P & D/RLV |
P & D/Total das ativ. inov. |
No de empresas |
Valor (R$ mil) |
P & D/RLV (1) |
P & D/Total das ativ. inov. |
No de empresas |
Valor |
P & D/RLV (1) |
P & D/Total das ativ. inov. |
||||||||||||
|
Total |
10.108 |
27.393.095 |
2,51 |
100,0 |
593 |
366.402 |
2,12 |
100,0 |
509 |
175.545 |
1,32 |
100,0 |
|||||||||||
|
Atividades internas de P &D |
2.503 |
8.820.764 |
0,81 |
32,2 |
23 |
23.694 |
0,14 |
6,5 |
26 |
70.475 |
0,53 |
40,1 |
|||||||||||
|
Aquisição externa de P& D |
835 |
2.668.958 |
0,24 |
9,7 |
89 |
9.156 |
0,05 |
2,5 |
8 |
2.783 |
0,02 |
1,6 |
|||||||||||
|
Total de atividades e de |
3.338 |
11.489.722 |
1,05 |
41,9 |
112 |
32.850 |
0,19 |
9,0 |
35 |
73.258 |
0,55 |
41,7 |
|||||||||||
|
Aquisição de máquinas |
6.981 |
9.464.051 |
0,87 |
34,5 |
459 |
279.649 |
1,62 |
76,3 |
320 |
39.505 |
0,30 |
22,5 |
|||||||||||
|
Introdução das inovações tecnológicas no mercado |
3.027 |
2.456.480 |
0,23 |
9,0 |
156 |
7.034 |
0,04 |
1,9 |
115 |
35.257 |
0,26 |
20,1 |
|||||||||||
|
Aquisição de outros |
1.425 |
1.920.881 |
0,18 |
7,0 |
134 |
3.325 |
0,02 |
0,9 |
60 |
3.611 |
0,03 |
2,1 |
|||||||||||
|
Projeto industrial e outras preparações técnicas |
2.421 |
1.362.015 |
0,13 |
5,0 |
80 |
27.059 |
0,16 |
7,4 |
35 |
10.058 |
0,08 |
5,7 |
|||||||||||
|
Aquisição de software |
3.185 |
431.570 |
0,04 |
1,6 |
165 |
12.205 |
0,07 |
3,3 |
297 |
10.830 |
0,08 |
6,2 |
|||||||||||
|
Treinamento |
3.493 |
268.376 |
0,02 |
1,0 |
162 |
4.280 |
0,02 |
1,2 |
88 |
3.026 |
0,02 |
1,7 |
|||||||||||
Fonte: IBGE. Pesquisa de Inovação – Pintec.
(1) Receita líquida de vendas (RLV).
Na indústria têxtil, 459 empresas reportaram gastos na aquisição de máquinas e equipamentos, o que equivaleu a 1,61% da RLV e 76,3% (R$ 280 milhões) do total destes gastos. O segundo tipo de despesas mais importantes no setor corresponde a projetos industriais e outras preparações técnicas, com desembolso da ordem de R$ 27 milhões (0,16% da RLV e 7,4% do total dos gastos). Este perfil confirma a importância da atualização do parque produtivo com novas tecnologias incorporadas nos equipamentos e projetos de expansão. Os demais itens das atividades inovativas apresentaram um peso menor como proporção da RLV: aquisição de software (3,3%); introdução das inovações tecnológicas no mercado (1,9%); e treinamento (1,2%).
No setor de confecções e vestuário, a aquisição de máquinas também se apresentou como o principal item de dispêndios inovativos, porém o patamar de gasto é menor, com 329 empresas indicando compras de R$ 39 milhões em bens de capital, o que representou 0,3% da RLV e 22,5% do total destes gastos. Os dispêndios com a introdução das inovações tecnológicas no mercado aparecem como o segundo item em importância, com R$ 35 milhões (0,26% da RLV e 20,1% do total dos gastos). Dois outros itens, aquisição de software e projetos industriais e outras preparações técnicas, têm importância relativa de, respectivamente, 5,7% e 6,2%, em relação ao total dos gastos em atividades inovativas.
Em resumo, as baixas taxas de inovação dos setores têxtil e de confecções, especialmente o indicador de produto novo para o mercado nacional, inferiores à média da indústria, e o perfil de gastos inovativos centrado preponderantemente na aquisição de máquinas e equipamentos ressaltam os desafios desta indústria para conseguir avançar na sua modernização e inserção nas cadeias globais de valor, das quais, cada vez mais, dependerá para alcançar o uso da tecnologias da informação dentro dos parâmetros da indústria 4.0, como veremos no item final deste ensaio.
6. Localização da indústria têxtil e de confecções no Brasil e no Estado de São Paulo6
No início deste estudo, argumentou-se que na década de 1990 ocorreu um movimento de deslocamento dos investimentos, especialmente do setor têxtil, para o Nordeste e outras regiões do país. E aventou-se a hipótese de que este processo poderia ter se alongado até os dias de hoje.
Esta seção tem o objetivo de analisar como a indústria têxtil e de confecções está localizada no território paulista e no restante do país, tomando como referência os dados sobre os empregos formais da Relação Anual de Informações Sociais – Rais e a identificação de padrões de associação espacial (clusters espaciais) por meio de aplicação de métodos econométricos.
As decisões privadas de fixar fábricas em determinados locais é um processo multideterminado e com raízes históricas. De modo geral e simplificando, as empresas definem a localização das fábricas buscando maximizar a rentabilidade do capital investido. Hoje, os fatores tradicionais como transporte, matérias-primas, acesso a água e energia elétrica ainda têm peso nas decisões. Todavia, variáveis complexas e qualitativas, intangíveis, relacionadas, por exemplo, às condições sociais, de trabalho e ambientais do território, passaram a fazer parte das decisões empresariais. Além disso, nos últimos anos, o acirramento da guerra fiscal e políticas regionais de incentivo também jogaram no sentido da desconcentração das indústrias do eixo do Sudeste.
Tendo o emprego como a variável estratégica para mensurar o perfil de distribuição e do crescimento dos setores têxtil e de confecções nos municípios e nas regiões do Brasil, os mapas compilados nesta seção e a Tabela 2 do anexo estatístico ilustram e comprovam que se manteve, no período recente, a tendência de desconcentração da atividade industrial, embora com menor intensidade, e explicitam algumas particularidades da dinâmica regional.
A dimensão municipal da distribuição e o crescimento desses setores no Brasil estão cartografados nos Mapas de 1 a 8. De modo geral, o setor de confecções é mais distribuído, estando presente em 1.630 municípios,7 dos quais 423 pertencem ao Estado de São Paulo. Em 2017, a cidade de São Paulo concentrou 10,7% de todo o emprego do setor no Brasil, com 60.683 postos de trabalho, seguida por Fortaleza, com 26.386 empregos (4,6% do total).
Por sua vez, na indústria têxtil, as empresas são maiores e com presença em um número menor de localidades. No Brasil, em 2017, 738 municípios registraram emprego nesse setor, dos quais 257 são paulistas. Blumenau e São Paulo são as duas principais cidades com, respectivamente, 11.678 e 11.673 postos de trabalho, 9,0% de todo o emprego no Brasil no setor. Em terceiro e quarto lugares no ranking do setor têxtil estão as cidades de Brusque e Americana, com, respectivamente, 10.058 (3,9% do total) e 7.988 (2,6% do total) empregos.
As regiões que concentram estes setores são bastante semelhantes. O Sudeste e o Sul aparecem como as principais zonas industriais, tanto em número de municípios como em volume de postos de trabalho.
Mapa 1 – Distribuição do emprego no setor de confecções, por municípios
Brasil, 2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Mapa 2 – Distribuição do emprego no setor têxtil, por municípios
Brasil, 2017
Estas duas regiões concentravam, em 2017, quase 80% do emprego dos setores têxtil e de confecções no Brasil. Há presença destas atividades no Nordeste, especialmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Sergipe. Cabe destacar que a atividade da indústria têxtil se faz presente também no noroeste de Minas Gerais e da Bahia.
A evolução do emprego se diferenciou tanto na região Sudeste como nos resultados das demais unidades da federação, como ilustram os Mapas 3 e 4 e a Tabela 2 do anexo estatístico. Claramente, o eixo dos estados mais industrializados do Sudeste perdeu espaço. Em termos do número global do emprego no país, o setor têxtil eliminou, entre 2006 e 2017, 32.259 postos de trabalho e atingiu, no último ano da série, o montante de 256 mil empregos. Já o segmento de confecções manteve o emprego praticamente estável no patamar de 568 mil, com redução de apenas 1.438 empregos no período.
No caso do setor de confecções, a região Sudeste perdeu 5,9 pontos porcentuais de participação no total do Brasil. São Paulo apresentou a maior queda (-3,3 p.p. e diminuição de 19.059 empregos), seguido por Minas Gerais (-5.829), Rio de Janeiro (-4.657), Espírito Santo (-4.465) e Paraná (-2.701). Dentre as unidades da federação que registraram aumento do emprego no setor de confecção, entre 2006 e 2017, Santa Catarina sobressaiu com ganho de 18.134 postos de trabalho. Este estado, especialmente a região do Vale do Itajaí centrada na cidade de Blumenau, é um dos polos têxteis mais avançados da América Latina, com expressiva inserção no mercado internacional.
A região Nordeste também registrou crescimento do emprego na indústria de confecções. As taxas de crescimento anuais de criação líquida de postos de trabalho foram maiores, especialmente no Rio Grande do Norte e no Ceará, em comparação ao resultado de Santa Catarina, mas o volume de empregados adicionados foi menor: 5.456 no Ceará; 4.189 no Rio Grande do Norte; e 4.752 em Pernambuco.8
O padrão de crescimento do setor têxtil se diferenciou daquele observado no de confecções. Nota-se que Santa Catarina se destacou como o estado que obteve o maior ganho em termos de emprego entre 2006 e 2017 (acréscimo de 5.149 postos de trabalho). Os demais estados da região Sul também obtiveram ganhos no emprego da indústria têxtil, porém com menor intensidade: 1.347 no Paraná e 639 no Rio Grande do Sul.
Apesar de ter registrado a maior perda na indústria têxtil (20.726 postos de trabalho), São Paulo se manteve como um importante centro produtor do setor, concentrando parcela relevante dos ativos intangíveis da cadeia produtiva (moda, marketing, design). Em 2017, o Estado respondia por 37,9% do emprego da indústria têxtil nacional.
Esta indústria, na região Nordeste, ao contrário do observado no setor de confecções, sofreu também perdas líquidas de emprego em importantes estados, entre 2006 e 2017: Rio Grande do Norte (-5.022); Ceará (-1.845); Alagoas (-1.127); e Sergipe (-866). Na Bahia e em Pernambuco, nota-se tendência de ganhos na ordem de, respectivamente, 1.526 e 639 postos de trabalho neste período.
A distribuição do emprego dos setores em foco no Estado de São Paulo pode ser visualizada nos Mapas 5 e 6. A capital paulista era responsável por 43,4% do emprego da indústria de confecções, em 2017, o que corresponde a 60.683 postos de trabalho. Além das duas maiores concentrações nacionais de confecções e lojas atacadistas – os bairros do Brás e do Bom Retiro – a cidade abriga parte relevante do varejo de luxo no país, com lojas nacionais (Zoomp, Fórum, Rosa Chá) e internacionais (Louis Vuitton, Giorgio Armani, Hugo Boss).
Mapa 3 – Taxas de crescimento e variação do emprego no setor de confecções, por unidade da federação
Brasil, 2006/2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Mapa 4 – Taxas de crescimento e variação do emprego no setor têxtil, por unidade da federação
Brasil, 2006/2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Como já visto anteriormente, a indústria de confecções tem presença em mais de 400 municípios paulistas e é bastante pulverizada no Estado. Além da capital, sete municípios se destacam com mais de 1.500 postos de trabalho: Araraquara (4.833); Taguaí (3.067); Guarulhos (2.897); Americana (2.289); São José do Rio Preto (2.068); Avaré (1.809); e Sorocaba (1.712).
No caso do setor têxtil, o grau de concentração do emprego no município de São Paulo é menor. Em 2017, a capital agregava 11.673 empregos, com 13,0% do total do Estado. As empresas são relativamente maiores em comparação à atividade de confecções e estão predominantemente centralizadas na Região Metropolitana de São Paulo, no chamado “corredor asiático”, que abrange as regiões de Campinas e Sorocaba, e na região central do Estado (KALEMKARIAN, 2013). Os principais municípios quanto ao volume de emprego são: Americana (7.988); Nova Odessa (6.256); Ibitinga (5.499); Santa Bárbara d’Oeste (5.354); e Guarulhos (4.369).
Mapa 5 – Distribuição do emprego no setor de confecções, por municípios
Estado de São Paulo, 2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Mapa 6 – Distribuição do emprego no setor têxtil, por municípios
Estado de São Paulo, 2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Diante desse quadro da localização da indústria têxtil e de confecções no Estado de São Paulo, é importante avançar na compreensão da dinâmica regional por meio da análise de indicadores que afiram, com mais acurácia, como se dão no tempo e no espaço as inter-relações entre regiões de uma determinada área geoeconômica.
A variável utilizada para essa análise é o emprego municipal obtido na Rais e o indicador é a variação do emprego em cada município para o período de 2006 a 2017. A ideia é observar as mudanças nas aglomerações de indústrias no território a partir do deslocamento do emprego.
A variação do emprego na indústria de confecções entre 2006 e 2017 mostra perda expressiva de emprego na Região Metropolitana (RMSP), especialmente no município de São Paulo (-13.470), seguido por Guarulhos (-1.217) e Osasco (-773). As cidades que apresentaram aumento nos postos de trabalho no período, com destaque para São Bernardo do Campo, Barueri, Suzano, Franco da Rocha e Santa Isabel, não compensaram as perdas no total da RMSP (Mapa 7).
Mapa 7 – Taxas de crescimento e variação do emprego no setor de confecções, por município
Estado de São Paulo, 2006/2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Essa tendência também se manifestou no interior do Estado, especificamente no eixo das rodovias Dutra-Bandeirantes e no “corredor asiático”. Nesta região, as reduções de emprego no setor de confecções ocorreram em vários municípios e foram intensas em Santa Bárbara d’Oeste (-962), Americana (-593) e Capivari (-480). Porto Feliz foi um dos municípios que registraram aumento de postos de trabalho nesta região (acréscimo de 315), entre 2006 e 2017.
Dois agrupamentos de municípios se destacaram com ganhos de emprego no setor de confecções. O primeiro localiza-se na Região Administrativa Central, onde a cidade de Araraquara é o principal polo, com ganho de 2.233 postos de trabalho, entre 2006 e 2017. Ao redor deste município situam-se vários outros de menor porte, que também apresentaram resultados positivos no período, sendo a cidade de Américo Brasiliense o principal destaque, com alta de 144 empregos.
O segundo grupo orbita ao redor da cidade de Taguaí, na Região Administrativa de Itapeva. Este município registrou, entre 2006 e 2017, aumento de 1.400 postos de trabalho. Todos os seus vizinhos também apresentaram alta no emprego, especialmente Fartura (387), Itaporanga (247) e Taquarituba (208). A cidade de Avaré, próxima à região, também obteve ganhos de emprego (456).
A configuração do setor têxtil no território paulista pode ser visualizada no Mapa 8. De forma semelhante ao perfil de deslocamento no estado do emprego no setor de confecções, a indústria têxtil da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) perdeu empregos entre 2006 e 2017. Na capital a redução atingiu 8.961 postos de trabalho, o que significou 43,2% do total da perda de empregos neste setor no Estado de São Paulo. Outros quatros municípios da RMSP também seguiram esta tendência e registraram reduções: Poá (-852); São Bernardo do Campo (-717); Osasco (-657); e Guarulhos (-652). O destaque positivo do ponto de vista da criação de emprego na RMSP foi a cidade de Itaquaquecetuba, com aumento de 1.140 postos de trabalho neste período, especialmente no segmento de artefatos têxteis, exceto vestuário. Arujá, Cajamar e Mogi das Cruzes, no mesmo sentido, obtiveram ganhos menores de, respectivamente, 201, 175 e 131 empregos.
Mapa 8 – Taxas de crescimento e variação do emprego no setor têxtil, por municípios
Estado de São Paulo, 2006-2017
Fonte: Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Fundação Seade.
Na direção do interior, notam-se tanto municípios com expressivas perdas de postos de trabalho na indústria têxtil, como localidades com ganhos. No eixo da rodovia Dutra, Taubaté sobressaiu com aumento do emprego (316) na produção de artefatos têxteis, exceto vestuário. Já dois importantes municípios perderam empregos entre 2006 e 2017: São José dos Campos (-653 postos de trabalho no segmento de fiação e fibras têxteis) e Caçapava (-465 empregos na indústria de artefatos têxteis, exceto vestuário).
No eixo das rodovias Anhanguera-Bandeirantes e no “corredor asiático”, esse padrão de perdas e ganhos também se manifestou neste período. O município com maior redução (4.794 postos de trabalho) foi Americana, especialmente no segmento de preparação e fiação de fibras têxteis. No seu entorno, duas cidades, Artur Nogueira e Itapira, próximos à região, apresentaram decréscimo de, respectivamente, 1.484 e 848 empregos. Três municípios registraram ganhos nesse indicador: Nova Odessa (1.000), Paulínia (680) e Piracicaba (432). Nos dois primeiros, a alta do emprego se concentrou no segmento de preparação e fiação de fibras têxteis e, no terceiro, o incremento ocorreu na indústria de artefatos têxteis, exceto vestuário.
No sentido de Sorocaba, duas cidades se destacaram pela criação de empregos na indústria têxtil: Tietê (acréscimo de 875, com ganho diversificado nos subsetores desta indústria) e Cerquilho (571 postos, centrados na indústria de acabamentos de fios, tecidos e artefatos têxteis). Na Região Administrativa de Barretos, a cidade de Viradouro se destacou com crescimento anual do emprego acima de 40%, entre 2006 e 2017, e geração de 555 empregos na indústria de artefatos têxteis, exceto vestuário.
7. Os desafios dos setores têxtil e de confecções
O quadro traçado pela evolução dos indicadores compilados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), da Pesquisa Mensal da Indústria (PIM-PF), da Pintec, todas realizadas pelo IBGE, e da balança comercial (Minc), não deixa dúvida de que a indústria paulista de têxtil e de confecções vem perdendo dinamismo. Capacidade de gerar valor adicionado inferior à média dos demais estados, redução real descontada a inflação da receita líquida e do valor de transformação industrial (VTI), perda de participação do Estado no total Brasil, queda da produtividade, ampliação do déficit da balança comercial e taxas de inovação inferiores à média da indústria de transformação são indicadores de que essa indústria encontra dificuldades em sua capacidade de expandir os negócios nos mercados interno e externo.
Os desafios para superar esse quadro adverso são potencializados quando inseridos no contexto da manufatura avançada. Novas tecnologias da indústria 4.0 e novas formas de comercialização e interação com os consumidores já são realidades no setor têxtil e de confecções em vários países.
Essa nova realidade do setor, que se vislumbra no cenário internacional, deverá ainda conviver no Brasil com a indústria mais tradicional, sendo que sua abrangência transformadora dependerá de esforços privados e públicos na definição e coordenação de políticas públicas facilitadoras. No contexto da pandemia da Covid-19, estes desafios se apresentam precocemente. Novas formas de comercialização e de criação de roupas customizadas ganham relevância no contexto de isolamento social, e a busca por tecidos, que ajudem a combater a propagação do novo coronavírus, se tornam elementos importantes para o desenvolvimento do setor no país.9
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) realizou seminário em 2016 e levantou oito tendências que irão impactar diretamente o setor no século XXI: estagnação da utilização do algodão; crescimento do uso e filamentos sintéticos; elevação das misturas de fibras têxteis; ampliação do desenvolvimento dos não tecidos;10 ampliação da funcionalização no vestuário (tecidos inteligentes); alterações nos hábitos dos consumidores; avanço do e-commerce; e expansão dos tratados de livre comércio.
Esses vetores impactaram as estratégias de reorganização da produção das empresas sediadas no Brasil, interagindo com as novas tendências da tecnologia aplicadas no setor. O primeiro destaque acerca das possibilidades da manufatura avançada no setor têxtil é a relação entre a evolução do fast fashion e a necessidade de ganhar competitividade. A intensificação do uso de tecnologias da informação, potencializada na indústria 4.0 pelo Big Data, é um vetor facilitador da customização em massa no segmento de vestuário, na medida em que amplia a conexão entre os elos da cadeia produtiva e entre o consumo e as redes de produtores.
Outro efeito positivo desse processo, se implementado, é a redução dos custos e riscos de estoques obsoletos. Nesse quadro, os fornecedores da fase anterior deixam de ser simples montadores para passarem a ofertar pacotes completos (full-package) de serviços e produtos, suprindo as necessidades dos consumidores (BRUNO, 2016).
Nesse movimento de aproximação entre o mercado consumidor e as empresas, identificou-se, conceitualmente, uma nova forma de produção denominada social manufacturing, que abre canais para que os consumidores se tornem ativos por meio da utilização de tecnologias emergentes, como, por exemplo, o espelho 3D de virtualização da prova de roupas. Apoiado em uma plataforma na nuvem, o consumidor se insere no processo produtivo pela internet, reduzindo os custos de produção e os impactos ambientais, bem como elevando o grau de satisfação com a oferta de serviços de alta qualidade.
Esse novo paradigma de integração telemática do consumidor não é suficiente para reduzir na indústria têxtil e de confecções o TTM (time to market), visto como o tempo necessário para o desenvolvimento de novos produtos, fator estratégico para a sobrevivência e/ou vantagem competitiva. Os gargalos a serem superados, nesta fase avançada da indústria, serão as distâncias físicas entre o produtor e o consumidor final. Exemplos de reindustrialização de países avançados – EUA e na Europa – inclusive no setor têxtil, são tendências para enfrentar tal gargalo.
As novas plantas produtivas se estruturam pela utilização da automação modular, de sistemas de processamento de imagens de alta precisão e velocidade e da robotização da confecção. A organização da indústria além das grandes corporações se dá, agora, por meio do desenvolvimento de projetos de minifábricas locais. Até o final do século passado, governos e grandes compradores globais de roupas e produtos têxteis investiram na emigração da produção para países de baixo custo de produção. Hoje, a tendência é incentivar e investir em minifábricas intensivas em tecnologia sustentável, em substituição à miríade de microempresas tradicionais heterogêneas de baixa produtividade e sem preocupação com impactos ambientais.
Nesse contexto, a fábrica compacta é o elo entre a personalização em massa da moda e tecnologias ambientalmente sustentáveis, como se verá mais adiante. Segundo definição da Virtual Inventory Manufacturing Alliance (VIMA),11 pioneira neste conceito, a minifábrica engloba “automação integrada ao processamento de pedidos, design, modelagem, tingimento dupla face, impressão, etiquetagem, corte ótico, manipulação robótica, costura, acabamento, empacotamento e expedição” (BRUNO, 2016). Estas unidades produtivas são ativadas pela compra, conectadas diretamente ao consumidor via internet e intensivas em tecnologia e empregos de melhor qualidade, gerando produtos de elevada qualidade e baixo impacto ambiental.
As transformações em andamento da dinâmica industrial na indústria têxtil e de confecção e vestuário seguem as tendências globais de imbricamento entre a indústria e o setor de serviços. O avanço da personificação do padrão de consumo de roupas implicará a oferta de serviços na esteira do progresso dos chamados tecidos inteligentes com novas formas de comunicação, num ciclo virtuoso de compartilhamento de capacidades e adaptações necessárias na produção e no uso dos novos produtos.
A seguir destacam-se, em resumo, além das já citadas até aqui, as principais tecnologias e novos processos produtivos que estarão no centro das transformações da indústria têxtil e de confecções para os próximos dez anos.
• Plataformas sociais: a moda é um fenômeno social influenciado pelos ambientes culturais, sociais e estéticos de cada momento. A utilização de experiências de uploading de fotos de pessoas vestidas com suas marcas preferidas no Instagram e Facebook tem potencial para avançar na direção de aproximar o consumidor do produtor, vivenciando novas experiências de participação, criação conjunta de valor e conectividade na formação de redes sociais.
• Pacote de tecnologias para implantação de minifábricas: Apparel Made for You (AM4U)12 é o modelo de indústria compacta criado por Bill Grier por meio de startup com sede na Califórnia. A lógica do sistema é integrar e-commerce, métodos de produção digital e técnicas de coloração inovadoras e produzir roupas personalizadas. Duas tecnologias/ estratégias se destacam:
– purchase activated manufacturing: estratégia disruptiva de organizar a produção na era da Internet. Trata-se da manufatura sob demanda, em que a confecção acontece desde o design até a roupa pronta no mesmo ambiente. Estrutura-se a partir de tecnologias de automação que possibilitam a integração de todas as atividades e processos produtivos. Os estoques, no caso da produção de roupas, são quase virtuais e se resumem a rolos de tecido branco e reposição de corantes e de materiais auxiliares;
– active tunnel infusion: dentro do rol das tecnologias sustentáveis, é um sistema de modelagem virtual e tingimentos físicos que mistura diversas cores nas roupas e não utiliza água ou produtos químicos perigosos durante a impressão digital das peças. O resultado final é um tecido resistente ao desbotamento, superando os processos de tingimento por sublimação.
• Tecidos inteligentes (smart textiles) e tecnologias vestíveis (wearable technologies): basicamente são produtos têxteis que funcionam como sensores térmicos, de tensão, de pressão, químicos e biológicos. Gera-se informação a partir da ação da roupa no corpo e no meio ambiente, transformada em sinais elétricos que serão codificados e passam a alterar a cor, liberar substâncias ou mudar a forma. A pesquisa e desenvolvimento de ponta nessa área envolvem os produtos biotecnológicos e o avanço da nanociência e da nanotecnologia, que irão ampliar a miniaturização de sensores e permitir aumentar as funções eletrônicas nas fibras têxteis.13
• Tecnologias de body scanning 3D: é o desenvolvimento de tecnologia que propicia modelos mais realistas integrados ao design e modelagem de roupas em sistemas cad-3D totalmente interativos dentro do processo de virtualização do desenvolvimento de produtos e do marketing da indústria têxtil e de confecções.
Tomando as referências acima compiladas, fica evidente o papel central que as novas tecnologias terão na rapidez de respostas – novos produtos e novas formas de comercialização – das “fábricas digitais” ao consumidor final, além dos aspectos econômicos (redução de custos com estoques mínimos e utilização de novos materiais da biotecnologia e da química verde) e ambientais (redução do uso da água e maior grau de reciclagem).
De fato, as inovações tecnológicas aplicadas na indústria têxtil e de confecções farão com que essa indústria deixe de ser progressivamente intensiva em mão de obra de baixa qualificação e passe a operar em plataformas intensivas em tecnologia, atraindo empreendedores e ofertando empregos de maior qualificação.
Estas tendências refletem o potencial sociopolítico da manufatura domiciliar e do movimento de open design, este entendido como um desenvolvimento coletivo de projetos na área de design, que permite a livre participação nas diversas etapas de criação, com equipes composta por produtores multidisciplinares e usuários finais (BRUNO, 2016).
Como o Brasil se apresenta diante destas mudanças disruptivas na indústria têxtil e de confecções? Os desafios destes segmentos são enormes no país. De um lado, é baixo o grau de automação dos processos produtivos, especialmente na confecção, com a predominância de máquinas que não são aptas a se sincronizarem e a produzirem modelagem digital, por exemplo. De outro, estudo da Confederação Nacional da Indústria – CNI sobre as oportunidades para a indústria 4.0 aponta que o segmento de confecções e vestuário ainda é um dos que menos usa tecnologia no seu processo produtivo, sendo que apenas 29% das empresas nacionais utilizam inovações e tecnologias em suas fábricas (CNI, 2017), como vimos também anteriormente neste artigo.
A despeito desse cenário difícil, algumas iniciativas do setor privado vão na direção de capacitar o empresariado nacional. Em parceria, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil – Abit e o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil – CETIQT do Senai estruturaram um MBI – Master in Business Innovation –, com duração de seis meses em indústria avançada: confecção 4.0. Vários projetos foram desenvolvidos, como, por exemplo, um body infantil capaz de medir a febre do bebê e enviar via bluetooth as informações para um aplicativo de celular; um robô que, com base nas curtidas nas redes sociais, gera informações para que designers desenvolvam novas roupas personificadas.
As principais ideias inovadoras desenvolvidas pelos executivos formados neste MBI foram as seguintes: otimização e integração da cadeia produtiva por meio de tecnologia RFID (identificação por rádio frequência); robô caça tendências digitais; hardware de escaneamento digital que capta as medidas do consumidor e mede o volume de cada pessoa; projeto de planta 4.0 sem nenhuma interferência humana e um tecido de parede funcional com isolamento térmico, acabamento antichamas, dentre outros.
As ações desenvolvidas se caracterizam por disponibilizar capacitação e contato para os profissionais do setor com as novas tecnologias e processos produtivos inovadores nos setores têxtil e de confecções. A inauguração de Laboratórios Abertos do Senai Centro-Moda, em vários municípios da federação, é um exemplo destas iniciativas. Esses espaços disponibilizam um ambiente inovador, com estrutura completa para criação, desenvolvimento de peças, conceitos de moda e soluções para a indústria do vestuário, além de consultorias, local para eventos de moda e projetos de inovação.
Apesar de essas iniciativas serem importantes, diante do atraso relativo dos setores têxtil e de confecções do Brasil em relação às transformações que estão despontando na manufatura avançada, configurado pelo elevado grau de heterogeneidade da estrutura produtiva local e a baixa produtividade presente especialmente na indústria paulista, se faz imperativa a construção de políticas industriais de inovação, tecnologia e fortalecimento do papel de instituições como ABDI, Embrapii, Finep, Fapesp, MCTI, que permitam, em parcerias com o setor privado, moldar um ambiente que favoreça o desenvolvimento e implantação progressiva dos parâmetros tecnológicos e inovativos da indústria 4.0 aplicados nos setores têxtil e de confecções no Brasil.
Esse esforço deverá levar em conta os desafios regionais da distribuição da indústria têxtil e de confecções no Brasil e no Estado de São Paulo. A indústria paulista se depara com dois movimentos de descentralização nos últimos anos: de um lado, os empregos se deslocaram para outros estados, na região Sul, especialmente para Santa Catarina, e para alguns estados do Nordeste; e, de outro, internamente esta indústria vem perdendo espaço na RMSP e se distribuindo no interior do Estado.
A eclosão da pandemia de Covid-19 em março de 2020, no Brasil, recoloca os desafios para a indústria têxtil e de confecções. Este foi um dos segmentos bastante afetado pelo isolamento social. De maneira geral, o consumo de roupas se dá, preponderantemente, pelo contato com os produtos nas lojas físicas e, diante do fechamento do comércio e da suspensão da produção em muitas fábricas, as perdas nos meses subsequentes foram expressivas na faixa de três dígitos. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) projeta, para 2020, uma queda de 13% a 20% na produção em relação a 2019. Esse desempenho seria pior do que o resultante dos impactos da recessão de 2015 e 2016, quando houve retração de 17% em dois anos.14
Neste contexto, as rupturas advindas do avanço da indústria 4.0, como vimos acima, abrem a possibilidade e impõem a modernização das empresas e dos processos produtivos e isto se dará de forma diferenciada no território paulista. As políticas públicas de incentivos ao desenvolvimento da indústria, nesse sentido, ganharão maior efetividade se incorporarem as duas dimensões, quais sejam, a incorporação dos parâmetros da indústria avançada na estrutura produtiva, e a regional, que definirá quais regiões/setores/municípios que estão mais aptos para avançar nas transformações inerentes à chamada quarta revolução industrial.
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